terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cortei os cabelos. Isso não é nada relevante, não fosse meu desejo de relatar algo que aconteceu na semana passada e que envolve cabelos. Não gosto de cortar meus cabelos, são uma parte de mim que me faz falta, sempre. Mas, para viver nesta sociedade, temos que aprender a conviver com a falta nossa de cada dia, que nos move e nos abastece. Quem me conhece sabe que costumo deixar meus cabelos um pouco grandes, quem me conhece há mais tempo deve lembrar que já os tive compridos, para baixo dos ombros. Gosto de andar com os cabelos desgrenhados, ao natural. Mas isso nem sempre foi assim, houve um tempo em que tentei domar os fios, ter cachos perfeitos e essa neurose toda. Até que um dia, não podendo dominar os fios, resolvi deixar que eles próprios escolhessem em que parte gostariam de se dividir, se queriam formar mais cachos ou menos, o volume que com que se queriam apresentar. Meus cabelos viraram quase que uma instituição do meu corpo com vontade própria. Pois bem, ultimamente tenho perdido muitos fios de cabelo. Talvez esteja ficando careca, talvez não. E já decidi que não quero fazer nenhum tratamento para calvície. Meus cabelos são da natureza, se quiserem cair, que caiam; se quiserem branquear, até prefiro. Minhas batalhas ultimamente estão sendo para aceitar o corpo que me coube, suas forças e suas limitações. A angústia do corpo me acompanha há 26 anos. Não significa que eu não cuide, da melhor forma que posso, dos cabelos e do corpo. Feito esse preâmbulo, passo à história que primeiro me motivou. Num desses dias que talvez alguém chame de bad hair day, mas que eu adoro, com os cabelos volumosos e desgrenhados, bem naturais, saí de casa. Para chegar ao ponto de ônibus, preciso caminhar umas 2 ou 3 quadras e cruzar uma rua. Nessa rua, enquanto esperava para atravessar, distraído e pensativo como de costume, passa um carro e apenas ouço “Lobisomem”. Não havia mais ninguém próximo naquele momento, de modo que só posso pensar que o adjetivo tivesse como alvo eu. E digo alvo, pois me parece que a única intenção da pessoa que o proferiu foi de me atingir. Fiquei um pouco incomodado no momento, mas não dei muita atenção ao fato. Um menino que sempre foi esquisito para o outro aprende a ignorar as agressões, e acho que fiz isso tão bem que raramente escuto ou percebo alguém mexer comigo na rua – creio que as pessoas não tenham parado de me insultar, não consigo ser utópico a esse ponto. Mas aquilo ficou martelando na minha cabecinha toda confusa. Lembrei de uma amiga que sempre ficava revoltadíssima quando alguém, principalmente os pedreiros, mexiam com ela na rua. De certo modo, achava isso bobagem, é só ignorar, ou talvez responder com humor. Porém desta vez me incomodou não apenas o fato de eu ter sido agredido à toa, por alguém cujo rosto não tive nem tempo de ver, como também o raciocínio de que eu também muitas vezes agrido o outro sem motivo nenhum. Pois quando vejo alguém passar na rua, eu julgo. Não sou de externar muito o que penso, muito menos oralmente e na rua, para outros desconhecidos. Minhas palavras escritas que me julguem, ou deem minha cara a tapa. Mas eu penso. E por que eu penso coisas desagradáveis para aquele que difere de mim? Ofendendo o outro, ofendo eu. E se ofendem eu, ofendem também o outro e a si próprios. É no outro que nos constituímos, passando pela linguagem. Tem me incomodado essa mania de usarmos a constituição linguística para aniquilar. Então, cortei meus cabelos. Não porque não queira parecer um lobisomem, mas porque não quero que meu corpo seja motivo para o desejo de ofensa do outro. Tiro os meus óculos, pois não uso chapéu, para aqueles que resistem.

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